Na noite de 21 de novembro de 1962,
uma quarta-feira chuvosa, a Bossa Nova viveu um dos capítulos mais importantes
da sua existência. Mudaria o rumo da sua história e dos seus principais
protagonistas. Era a noite da Bossa Nova para os americanos verem e ouvirem ao
vivo e a cores, num dos seus maiores templos culturais dos Estados Unidos: o
Carnegie Hall, de Nova York.
Aconteceu graças ao empenho da
gravadora americana Audio Fidelity e do governo brasileiro, através do Itamaraty
e o show foi cercado de muitas polêmicas e incertezas. E curiosamente, a
imprensa brasileira fez pouco caso com o grande evento, inclusive prevendo um
possível fiasco. Claro que nada disso aconteceu, embora algumas falhas e
deslizes naturais tenham acontecido. Que ao final, não prejudicaram o conjunto
da obra.
O planejamento dessa apresentação
começou meses antes do show, quando o executivo da gravadora Audio Fidelity,
Sidney Frey veio ao Brasil e conheceu pessoalmente o famoso Beco das Garrafas e
os principais artistas que por lá se apresentavam. A sua pretensão inicial
previa apenas a apresentação de Tom Jobim e João Gilberto. Depois mudou de ideia
e reuniu um time bem diversificado.
Os músicos brasileiros que se
apresentaram, na época, tinham pouco mais de vinte anos de idade e para lá
foram Antonio Carlos Jobim, João Gilberto, Luiz Bonfá (os únicos que já tinham
algum prestígio) e mais Oscar Castro Neves, Sérgio Mendes, Roberto Menescal,
Carlos Lyra, Chico Feitosa, Milton Banana, Sérgio Ricardo, Normando Santos, Dom
Um Romão, Luiz Bonfá, Agostinho dos Santos, Carmen Santos, Bola Sete, Ana Lúcia
e vários outros desconhecidos.
Na plateia lotada por mais de três
mil pessoas, alguns nomes da primeira linha do Jazz: o cantor Tony Bennett, os
trompetistas Dizzy Gillespie e Miles Davis, os saxofonistas Gerry Mulligan e
Cannonball Adderley, o flautista Herbie Mann, o The Modern Jazz Quartet. E
muitos deles, inclusive foram recepcionar o time de músicos brasileiros no
aeroporto quando eles chegaram a solo americano. Quanta deferência para os
brasileiros e dias depois, os músicos americanos puderam beber direto da fonte
o ritmo e o tempero contagiante da Bossa Nova. E uma grande prova de que a
Bossa Nova influenciou o Jazz e vice-versa.
A primeira consequência imediata
deste show, o fato de muitos destes músicos americanos gravarem o repertório da
Bossa Nova e isso serviu para que o gênero ganhasse o mundo e rompesse as suas
fronteiras territoriais. A segunda e mais marcante, determinou que alguns dos
músicos brasileiros trocassem o Brasil pelos Estados Unidos. Oscar Castro
Neves, Sérgio Mendes e Tom Jobim e João Gilberto abriram mercado por lá
imediatamente depois daquela apresentação.
E em razão disso, a turma da Bossa
Nova se desfez e cada um seguiu por si a sua trajetória musical. As famosas
reuniões que aconteciam na cidade do Rio de Janeiro nas casas de Nara Leão,
Benê Nunes e do Tom Jobim não aconteceram mais. Não tocaram nem cantaram mais
juntos, como sempre faziam prazerosamente.
O áudio deste show foi lançado em
disco nos formatos Long Playing – LP e posteriormente em Compact Disc - CD e
hoje é um produto raro de encontrar no mercado, mas recomenda-se a sua procura.
A qualidade sonora das gravações deixa um pouco a desejar, mas o que vale é o
registro histórico.
O repertório traz algumas pérolas
como Samba de Uma Nota Só com o
sexteto de Sérgio Mendes, Influência do
Jazz com o Quarteto de Oscar Castro Neves, Manhã de Carnaval e A
Felicidade com Agostinho dos Santos, Luiz Bonfá e Quarteto de Oscar Castro
Neves, Influência do Jazz com Carlos
Lyra, O Barquinho com a antológica
gravação de Roberto Menescal (que marcou em grande estilo sua estreia e
aposentadoria no mesmo instante como cantor, como ele mesmo descreveu nos seus
livros) e Outra Vez com João Gilberto
e Milton Banana.
Curiosamente, a participação de Tom
Jobim não foi registrada na versão lançada. Uma pena, pois quem esteve lá
garantiu que foi uma das apresentações mais marcantes.
A partir daquela noite, a Bossa Nova
não foi mais a mesma. E não poderia ser diferente. Um momento lindo e marcante
na história da Música Popular Brasileira, que este ano completa cinquenta e um
anos. Até parece que foi ontem.
Fonte: extraído de:
http://www.digitaljazz.com.br/artigos/_a_bossa_nova_no_carnegie_hall__1962?a=128
TEXTO
NO ENCARTE DO ÁLBUM “BOSSA NOVA NO CARNEGIE HALL”
A história do concerto registrado neste
disco é a própria história do comentadíssimo concerto de Bossa Nova do Carnegie
Hall, de New York, na noite de 21 de novernbro de 1962.
Quando Sidney Frey, Presidente da Audio
Fidelity americana, veio ao Brasil, dois meses antes do Festival, com a
finalidade de convidar alguns artistas brasileiros para participarem no
concerto de Bossa Nova do Carnegie, conseguiu obter apenas a participação
positivada de João Gilberto e Milton Banana, Luiz Bonfá, Agostinho dos Santos,
Conjunto de Oscar Castro Neves e rnais Carmen Costa, José Paulo e Bola Sete,
que estavam nos Estados Unidos. O show seria completado com músicos de jazz
americanos, na segunda parte do programa.
Apesar da chegada inesperada de mais de uma
dúzia de artistas brasileiros, às vésperas do concerto, realizou-se um
verdadeiro "milagre" para incluir a todos no Festival, sem prejuízo
da parte cênica. Mais ainda, devido ao espetacular sucesso do Festival, todas
as agências noticiosas queriam dar "cobertura" ao acontecimento. Daí
acrescenta-se aos cinco microfones da Audio Fidelity, os microfones do teatro
(para som interno), da CBS News, da Voice of America, da U. S. Information
Agency, etc., dando a aparência de uma "floresta" de microfones, o
que apenas demostra o interesse pela nossa moderna música popular. Os ingressos
já estavam esgotados dois dias antes do concerto e calcula-se que 1.000 pessoas
ficaram na rua, na chuvosa noite de 21 de novembro de 1962.
Os aos brasileiros foram delirantemente
aplaudidos e o público norte-americano dispensou o melhor carinho nossos
patrícios. Se houve dúvidas a respeito, este disco é um verdadeiro documentário
vivo e incontestável desse notável feito da nossa música. Apenas dois
repórteres
brasileiros estiveram presentes a essa
inesquecível noite de festa da música brasileira nos Estados Unidos: Walter
Silva (o conhecido "Pica-Pau") e Sylvio Tullio Cardoso. Aqui está o
relato de ambos sobre o que foi a "Noite de Bossa Nova" no Carnegie
Hall. A audição do disco completará o relato dos dois renomados cronistas.
Relato
de : Sylvio Tullio Cardoso (O Globo, Rio de Janeiro):
Tudo começou em setembro. Setembro de 1962.
Sidney Frey - que realizava na ocasião uma de suas habituais visitas ao Brasil
- convocou os cronistas para um "cocktail", durante o qual iria fazer
uma importante comunicação. A moçada foi reunida, então, no Salão Verde, do
Copa. Depois de muito papo e muito scotch, o velho Frey largou a bomba: havia
alugado o famoso Carnegie Hall de Nova York para um festival de "bossa
nova". O show seria na noite de 21 de novembro. Participariam - além dos
músicos norte-americanos, que já estavam tocando o novo samba brasileiro, como
Stan Getz, Gary MacFarland e Lalo Schiffrin - vários solistas e cantores do Rio
e São Paulo.
Desde esse coquetel, que não se falou outra
coisa no Rio senão no Festival do Carnegie Hall. Não seria certamente a
primeira vez que as portas do célebre templo de música erudita iriam-se abrir
pra apresentar "por music". Dezenas de jazzistas, cantores populares
e folclóricos já haviam pisado o palco do Carnegie. Mas era, sem dúvida, a
primeiríssima vez que a música popular brasileira teria a sua noite na austera
sala de concertos da rua 57. Bossa Nova no Carnegie Hall!
"Não é possível!" - diziam uns.
"É onda ... " - diziam outros. Mas a verdade é que na chuvosa noite
de 21 de novembro de 1962 as portas do Carnegie se abriram para receber perto
de 3 mil "modern music enthusiasts", que estavam ávidos para ter um
contato ao vivo com a música de Jobim, Bonfá, Menescal, Castro Neves e João
Gilberto. Oficialmente, estavam programados para atuar - como os
"posters" pregados nas paredes do Carnegie anunciavam - apenas João
Gilberto, Oscar Castro Neves & Conjunto, Bola Sete, Carmen Costa, José
Paulo,
Lalo Schiffrin e
Stan Getz. Dois dias antes do festival, no entanto, já estavam em Manhattan
perto de uma dezena de outros músicos e cantores do Rio e São Paulo.
Se cada um fizesse dois números, o concerto
duraria aproximadamente quatro horas. Frey anunciou que se o show acabasse um
minuto após a meia-noite, teria que pagar "overtime" ao Carnegie
Hall. Pensou-se então dar dois concertos: um às 8 e meia e outro à meia-noite.
A ideia foi, porém abandonada porque já estava muito em cima. Com a intervenção
de empresários, managers e funcionários do consulado, ficou então decidido que
os artistas que não estavam na lista oficial fariam apenas um número.
E às 9 e pouco descerraram as cortinas para
o "Bossa Nova at Carnegie Hall". Abriu o espetáculo o primeiro
Sexteto Bossa Rio, de Sérgio Mendes, cuja interpretação foi - como se pode
constatar - aplaudidíssima. É verdade que o sistema de amplificação instalado
não foi o recomendando por Frey. É verdade que muitos que estavam nos balcões e
galerias não ouviram direito João Gilberto, Carlinhos Lyra, Tom Jobim, Cláudio
Miranda e Roberto Menescal. Mas os que estavam bem colocados ouviram-nos muito
bem e os aplaudiram intensamente.
O grande sucesso da noite foi sem dúvida a
dupla Agostinho dos Santos & Luiz Bonfá, que "roubaram" literalmente
a noite com seu pot-pourri de temas de "Orfeu do Carnaval". É verdade
que ao lado de Agostinho, Bonfá, Sérgio Mendes, Cláudio Miranda, João Gilberto,
Sérgio Ricardo e Oscar Castro Neves atuaram vários artistas, que eram, na
época, praticamente amadores. Mas separar profissionais de sem i-amadores seria
abalar o espírito deste disco, que é preliminarmente um documentário. Trata-se
sem dúvida dum LP histórico, um microssulco onde está registrada a estréia da
moderna música brasileira - a música que, segundo Paul Winter, é uma das poucas
que evolui e se renova atualmente numa das mais famosas salas de concerto do
mundo.
Como documento, "Bossa Nova at
Carnegie Hall" é, sem dúvida, um lançamento único. A nosso ver, sua edição
- que demorou, mas veio - era absolutamente indispensável, porque só com ela
vamos poder provar que o show, ao contrário do que muitos propalaram, foi um
magnífico, um enorme sucesso.
Relato
de Walter Silva (Picapau)
São Paulo, além dos quatrocentos e tantos
quilômetros que lhe separam do Rio de Janeiro, não tem e nunca teve salão verde
ou cor de rosa do Copacabana Palace. Por isso, eu fiquei sabendo que haveria
"bossa nova" no Carnegie Hall, exatamente uns vinte dias antes,
quando, no desempenho de minha função de programador e apresentador do programa
de discos "Pick Up do Picapau", então na Rádio Bandeirantes, resolvi
sugerir à direção daquela emissora que se "cobrisse" a realização do
festival, o que seria, como foi, um grande serviço à música brasileira e,
também e principalmente, à divulgação de nossa mais importante manifestação
melódica, rítmica e poética, que é o que se convencionou chamar de Bossa Nova.
Lá fomos nós, a expensas da própria
emissora e com a obrigação de trazer a fita do "show" para
irradiarmos dois dias após. Não irradiamos apenas, mas fizemos incluir o nome
de Caetano Zama, cantor e compositor de São Paulo, que precisava estar
presente. E por nada termos a omitir, dizemos sempre que o Brasil deve mais a
Sidney Frey, a Dona Dora Vasconcellos e ao conselheiro Mário Dias Costa, muito
mais do que a muitas e muitas embaixadas que andam
por aí. Estes nomes fizeram o nome musical
do Brasil no exterior. O mais adiantado estágio musical popular do mundo, não
seria conhecido, admirado e aplaudido, não fosse a abnegação destes três nomes.
A eles a profunda gratidão de todos os
artistas presentes neste LP. Aos jornais e revistas do Brasil, sem exceção,
nossa lástima profunda, por não terem sequer mandado representantes
para desmentir as mentiras que eles disseram,
baseados em informações inescrupulosas, inverídicas, ditas por jornalistas
americanos que "moram" dentro da primeira fila
do Carnegie Hall, acostumados a assistir
ópera, ballets, mas nunca música popular tão avançada para seus calejados e
"quadrados" ouvidos.
O festival foi um sucesso mesmo. Então, 3
mil pessoas dentro e mais de mil do lado de fora, o que é que significa? Então,
se não foi sucesso, como chegou a ocupar as primeiras colocações em vendagem de
discos? Oral, .. Foi sucesso sim, e dos maiúsculos. Tão sucesso, que outros
festivais virão. Tão sucesso que a prova aí está: O MUNDO CANTA BOSSA NOVA.
Agora, se não teve o cuidado plástico, cênico, técnico, que nós desejávamos,
não temos culpa, nós brasileiros, que para lá fomos apenas para mostrar nossa
música; e música não tem cor. Esta apresentação do Carnegie Hall, vale, em
apenas urna noite, tudo o que se fez em anos pela música e pelas coisas do
Brasil. E isto, repito, devemos a Mr. Sidney Frey, a Dona Dora Vasconcellos e a
Mário Dias Costa, apesar das "fofocas" dos despeitados e
"quadrados" habitantes da música brasileira. O presente lançamento AF
está aqui com as virtudes e os defeitos de um show semi-improvisado.
Mas, não é isto o que interessa. O que
interessa é que vocês, ao ouvi-lo, estarão ouvindo o mais importante depoimento
sobre música popular brasileira, em todos os sentidos. Isto é o maior documento
da consagração de um movimento feito por gente moça, culta e inteligente. Isto
é o que interessa. Guardem-no, pois seus netos vão exigi-lo de você.
O raro
álbum desta postagem foi lançado no Brasil, respectivamente em 1962 e 1974,
pela gravadora Chantecler, com o selo (label) Audio Fidelity e contemplava as
seguintes canções:
1. Samba de uma nota só (Sexteto de Sérgio Mendes);
2. Bossa Nova York (Carmem Costa, Bola Sete e José Paulo);
3. Zelão (Sérgio Ricardo);
4. Não faz assim (Quarteto de Oscar Castro Neves);
5. Influência do jazz (Quarteto de Oscar Castro Neves);
6. Manhã de carnaval (Luiz Bonfá);
7. Manhã de carnaval (Agostinho dos Santos, Luiz Bonfá e Oscar Castro Neves);
8. A felicidade (Agostinho dos Santos, Luiz Bonfá e o Quarteto de Oscar Castro Neves);
9. Outra vez (João Gilberto e Milton Banana);
10. Influência do jazz (Carlos Lyra e o Quarteto de Oscar Castro Neves);
11. Ah! se eu pudesse (Ana Lúcia e o Quarteto de Oscar Castro Neves);
12. Bossa nova em Nova York (Caetano Zama e o Quarteto de Oscar Castro Neves);
13. Barquinho (Roberto Menescal e o Quarteto de Oscar Castro Neves);
14. Amor no samba (Normando e o Quarteto de Oscar Castro Neves);
15. Passarinho (Chico Feitosa e o Quarteto de Oscar Castro Neves).
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